A Missão da Igreja

A missão integral da igreja consiste em apresentar o evangelho em sua plenitude, sua mensagem chega à totalidade do homem: espírito, alma e corpo. Podemos chamar de missão integral a preocupação com a salvação humana sem negligenciar o cuidado ou atendimento das privações materiais básicas daqueles que são comprovadamente carentes: escola, creche, clínicas, asilos, orfanatos, alimentação, vestuário etc. Todas estas ações fazem parte do evangelho e não podem ser escanteadas. Todavia, reconhecemos que a pregação do evangelho para a salvação do pecador vem em primeiro lugar.
Jesus, o nosso maior referencial, nunca fez vistas grossas às necessidades daqueles que o rodeavam. Ele saciava tanto a fome espiritual quanto a física, ouvia os problemas das pessoas e não se preocupou com o título que lhe deram de amigo de publicanos e pecadores. Possuía uma visão ampla (diferente da visão míope da maioria dos líderes contemporâneos) e via os homens não apenas como seres espirituais, mas como seres multifacetados constituídos de emoções, intelecto, moral, religiosidade, matéria etc. Sendo assim, procurava alcançá-los de maneira plena e equilibrada.
Esta visão de Jesus foi transmitida aos apóstolos de maneira que na igreja do primeiro século não havia disparidades sociais. Todos tinham tudo em comum e nada lhes faltava (Atos 4: 32-35). O apóstolo Paulo tinha um carinho todo especial com os pobres (Gálatas 2:10). Foi ele que fez uma coleta entre as igrejas gentílicas para os santos pobres em Jerusalém, e a entregou mesmo colocando sua própria vida em perigo (Atos 21:17-36; 24:17). Isto era um sinal visível da unidade interior e essencial do cristianismo primitivo. Além disso, os alvos das doações eram variados:
A comunidade cristã enfatizava o apoio às suas viúvas, órfãos, enfermos, deficientes e àqueles que, por causa da fé, perderam seus empregos ou foram encarcerados. Também resgatava homens forçados a trabalho servil em conseqüência da fé e hospedava viajantes. Uma igreja enviava ajuda para outra igreja cujos membros passavam por crise ou perseguição. Na teoria, e não foi diferente na prática, a comunidade cristã era uma irmandade unida pelo amor, na qual o auxílio material recíproco era a lei[1].
No entanto, na medida em que o tempo foi passando o amor ao próximo foi se arrefecendo. Em nossos dias esse amor serve como tema de pregações e está na boca de diversas pessoas, mas são pouquíssimos os que o vivenciam na prática. A grande maioria das igrejas (sobretudo as neopentecostais) estão preocupadas em como arrecadar mais e mais, querem construir belos templos, alcançar a fama, conquistar espaço na mídia e atrair multidões com um evangelho sem responsabilidades, conteúdo e focado apenas no aqui e agora. Neste contexto as palavras do apóstolo Paulo cairiam bem: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Corintios 15:19; ARA). Numerosa parte da liderança cristã do nosso país vive com muito conforto, em total comodismo, passividade e omissão à realidade dos necessitados. Seus templos estão localizados nas grandes cidades em locais estratégicos, propiciando assim uma boa visibilidade.
Poucos são os que se aventuram a pregar o evangelho onde Cristo ainda não foi anunciado. Os pastores hodiernos (não todos) temem as cidades periféricas ou desconhecidas. Dificilmente encontraremos uma igreja neopentecostal em comunidades carentes, uma vez que estas não satisfazem o perfil requerido por estas igrejas. Como fazer campanhas de prosperidade, fogueira santa de Israel ou conseguir patrocinadores para programas de televisão nestes lugares? Se isto não é possível, se não há possibilidade de retorno financeiro, então não é atrativo.
Infelizmente o descrito acima é a realidade de grande parte dos lideres evangélicos brasileiros, tratam a igreja como se fosse uma empresa privada. Neste pensamento o que menos importa é a qualidade de vida espiritual das ovelhas. Antigamente o fornecimento da lã das ovelhas já era o suficiente, hoje se requer a carne e se possível até o próprio sangue para fomentar a ganância de seus pastores. E ainda dizem que está tudo bem e se alegram com o crescimento numérico dos evangélicos no país.
As pessoas estão definhando neste mundo de ilusões e desesperanças. Precisamos trabalhar urgentemente tendo Jesus como modelo e não desprezar as necessidades do nosso próximo. Um evangelho que não se preocupa ou não fornece espaço adequado para os drogados, prostitutas, deficientes, moradores de rua, órfãos, doentes, idosos e etc. Não cumpriu sua missão integral e é em si incompleto. Que as palavras de Tiago estejam vivas em nossas mentes e corações: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer de vos lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” (Tiago 2:15,16). E que possamos ser como o bom samaritano que ajudou quem nunca tinha visto sem nenhuma intenção de retribuição. E não como os religiosos da época que não obstante terem conhecimento da lei, agiam com completo desprezo em relação ao próximo. Meu desejo é que tenhamos não apenas uma fé intelectual, mas sim uma fé prática para glória de Deus.
Gostaria de terminar citando Dr. W. A. Visser em uma declaração de nossa dupla responsabilidade cristã, social e evangelística:
“Eu creio que com respeito à grande tensão entre a interpretação vertical do Evangelho, como essencialmente preocupada com o ato da salvação de Deus na vida dos indivíduos e a interpretação horizontal disto, como principalmente com as relações humanas no mundo, devo fugir daquele movimento oscilatório mais do que primitivo de ir de um extremo para outro.”
“Um cristianismo que tem perdido sua dimensão horizontal, tem perdido seu sal e é, não somente insípido em si mesmo, mas sem qualquer valor para o mundo. Mas um cristianismo que usaria a preocupação vertical como um meio para escapar de sua responsabilidade pela vida comum do homem é uma negação do amor de Deus pelo mundo, manifestado em Cristo. Deve se tornar claro que membros de igreja, que de fato negam suas responsabilidades com o necessitado, em qualquer parte do mundo, são tão culpados de heresia quanto todos os que negam este ou aquele artigo de fé” [2].


[1] Kennedy, D. James e Newcombe, Jerry. E se Jesus não Tivesse Nascido?. São Paulo: Vida, [p. 50].
[2]Stott, John. Cristianismo Equilibrado. São Paulo: CPAD, [p. 20].

Nenhum comentário:

Postar um comentário